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A Crescente Utilização Equivocada da Holding Familiar: Artifício Empregado com Finalidade de Fraudar

O Que é a Holding Familiar no Planejamento Sucessório?

O planejamento constitui um instrumento jurídico estratégico destinado a assegurar a transferência organizada, eficaz e segura do patrimônio de uma pessoa após o seu falecimento. Dentre as diversas ferramentas disponíveis, a holding familiar destaca-se como uma excelente ferramenta de planejamento patrimonial e sucessório. De fato, é uma das vias à disposição por parte do protagonista. A sua criação tem largo trânsito na planificação sucessória das empresas familiares, bem como no controle e gestão de conflitos.

O Risco do Uso Desvirtuado da Holding Familiar

Contudo, vem trazendo uma enorme preocupação para os operadores do direito a crescente utilização desvirtuada da holding familiar para prática de fraudes. Por exemplo, fraudes à meação, à legítima e aos credores, com o intuito de prejudicar terceiros de boa-fé, desvirtuando-se da finalidade deste instrumento.

Em um planejamento sucessório, a holding familiar pode ser uma ferramenta extremamente eficaz, sob diversos aspectos. No entanto, como toda e qualquer ferramenta jurídica, o mau uso da holding pode gerar consequências negativas, inclusive a ponto de comprometer todo o planejamento arquitetado.

Consequências Jurídicas do Uso Ilícito

Isso significa dizer que, se utilizada de forma ilícita, como meio de fraude, a holding se desvirtua da sua real finalidade. Nesse sentido, poderá haver uma desconsideração desta personalidade jurídica da sociedade. Consequentemente, isso acarreta a responsabilização do patrimônio pessoal de seus administradores ou sócios, conforme previsto no art. 50 do Código Civil.

Portanto, é plenamente possível, em situações excepcionais, quando caracterizado o abuso da personalidade jurídica. Este abuso é caracterizado pelo desvio da finalidade ou pela confusão patrimonial (art. 50 do CC). Tudo é posto a serviço da fraude pela manipulação da forma da pessoa, deturpando o instituto. Dentre todas essas hipóteses, a codificação civil destaca os conceitos de desvio de finalidade e o de confusão de patrimônios, novidades conceituais colacionadas pela Lei 13.874/2019.

A Fraude Patrimonial e a Desconsideração Inversa

Além disso, atualmente, está cada vez mais comum a constituição de holding familiar para “blindar” o patrimônio. Ou seja, quando o instituidor da holding, com a finalidade de prejudicar terceiros de boa-fé (como cônjuge, herdeiros e credores, por exemplo), transfere os bens da sua pessoa física para a pessoa jurídica. Neste caso, será possível a utilização do instituto da desconsideração inversa da personalidade jurídica. Assim, os bens da pessoa jurídica é que são atingidos por passivos da pessoa física. Aqui, inclusive, no que tange a fraude contra meação.

É importante atentar para outras práticas recorrentes de fraudes à meação, à legítima e contra credores, através da constituição da holding familiar. Afinal, elas repercutem diretamente no direito de família.

No que tange os atos fraudatórios entre os cônjuges, perpetrados por um dos consortes com o propósito de diminuir o líquido partilhável, existe uma demanda muito intensa. Essa demanda é realizada com recurso às formas societárias para desviar bens conjugais.

Com isso, acrescenta-se uma nova modalidade que vem sendo detectada com a criação de holdings familiares que titulam os bens imóveis e móveis, sejam eles de uso estritamente familiar ou não.

O Papel do Contrato Societário na Fraude à Meação

Alguns imóveis podem ser adquiridos pelo casal com a intenção de gerarem rendimentos com a sua locação. Para a constituição da sociedade imobiliária, são levados argumentos que contêm um fato real respeitante à incidência de uma alíquota tributária menor. Muitas vezes, porém, isso serve unicamente como um convincente pretexto para subtrair do outro cônjuge o controle sobre a livre disposição dos bens imóveis. Tais bens dispensam a outorga conjugal no contrato societário, aplicando o estatuto societário no lugar das leis que regem o estatuto familiar ou sucessório.

É relevante mencionar que não há necessidade de outorga conjugal para qualquer regime de bens do casamento. Inclusive, o empresário casado pode alienar os imóveis que integrem o patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real (art. 978 do Código Civil). Trata-se de atos realizados no exercício de atividade empresarial.

Talvez o maior inconveniente atualmente de uma holding patrimonial decorra desta má intenção que porventura se aproprie um dos cônjuges sócio. Ele se vale da sua constituição para fraudar os direitos econômicos de seu meeiro e para subtrair bens da comunidade conjugal.

Isso ocorre uma vez que esta holding se torna titular de todo acervo conjugal. Anteriormente, este acervo gerava segurança jurídica diretamente ao casamento e eram os cônjuges que faziam o contrato da administração do seu acervo matrimonial. Desse modo, permitia-se sempre por ato de dois o livre tráfico dos bens do casamento. Por vezes, servia inclusive para fraudar credores dos cônjuges. Como acontece, por exemplo, quando o casal transfere para uma holding os bens que pertenciam ao casamento e que constavam em nome pessoal deles, tanto em nome individual de cada um dos consortes como na titulação condominial de ambos.

A Manipulação Societária como Ferramenta de Fraude

Todavia, a transposição dos bens do casamento para uma holding patrimonial cria um marco de insegurança e de permanente descontrole. Isso ocorre diante da manipulação do jogo societário. Assim, apenas um dos consortes, com poderes específicos assegurados no contrato social, pode dispor livremente dos bens, inclusive descartando a participação societária do seu consorte pelo ilícito manejo contratual.

Por vezes, o sócio mal-intencionado traz interpostas pessoas para a sociedade ou coloca os filhos como sócios. Sobre estes, o pai/mãe tem total autoridade e estes lhe devem e lhe tributam cega obediência. Em outros casos, ingressam na sociedade os seus parentes, amigos ou agregados. Estes, tornando-se sócios da holding, transformam-se em detentores de estratégicas posições de voto e de comando. Igualmente, tornam-se titulares de participações societárias, que nada mais significam do que uma sórdida prática para fraudar a meação do consorte. Como resultado, o cônjuge lesado sofre sensível redução de sua porcentagem e, em realidade, se põe em estágio uma indevida alteração do regime de bens sem nenhum controle judicial.

A Posição do Judiciário Frente ao Abuso de Direito

Em virtude dessa crescente utilização equivocada da holding familiar como instrumento para prática de fraudes, o judiciário vem, cada vez mais, enfrentando este tema com muita cautela e com uma enorme preocupação. Por exemplo, em fraudes à legítima, à meação e contra credores, constituindo esta entidade para fins ilícitos e usurpando sua real finalidade.

Nesse sentido, o judiciário vem retirando vantagens anteriormente consolidadas a estas entidades. Isso ocorreu em agosto de 2020, através do julgamento do RE 796.376/SC, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu pela incidência do ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis). Essa incidência ocorre sobre o valor dos bens que excedam o limite do capital social a ser integralizado nas holdings operacionais. Ou seja, cuja atividade preponderante do adquirente é a compra e venda de bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.

Em outras palavras, diferentemente do que ocorrera até então, com imunidade completa, o STF decidiu que a imunidade prevista no art. 156, §2º, inciso I da Constituição Federal não atinge a diferença entre o valor declarado e o valor efetivamente recebido pela sociedade na modalidade de integralização. Assim, considera-se para fins de tributação a diferença entre estes valores.

Outras Formas de Abuso no Direito Societário Familiar

Lamentavelmente, no âmbito do direito societário, é assíduo deparar com o abuso do direito, com calamitosos efeitos diretos ou indiretos no direito de família. Especialmente nas sociedades empresárias familiares de capital fechado, quando presente a intenção de prejudicar o cônjuge sócio ou meeiro de quotas sociais ou ações. Por exemplo, pode ser abusivo um agressivo aumento do capital social, operado com a finalidade de diluir a participação societária e o poder de administração do outro cônjuge sócio ou que recebeu quotas sociais em sua meação.

No mais, pode ser citado também o abuso no sistêmico ato de não pagar dividendos que ficam retidos na conta de reservas da empresa. Tal ato é encabeçado pelo cônjuge que, assim e de forma abusiva, bloqueia o pagamento de dividendos para que a eles o seu ex-cônjuge não tenha acesso, à custa de sua meação.

Na verdade, como bem afirmou Rolf Madaleno, o abuso do direito ocorre quando a sociedade empresária se utiliza da sua personalidade jurídica e com seu uso ilícito intenta obter vantagens em detrimento dos direitos de família e das sucessões. Por conseguinte, fraudando meações, créditos e execução de alimentos ou a legítima sucessória, sob a aparência de uma legalidade baseada na mera formalidade dos atos societários que dissimulam resultados claramente fraudatórios.

São diversas as situações e condutas caracterizadoras do desvio de bens. Frequentemente, com a finalidade de subtração do patrimônio na partilha em divórcio, com a finalidade de fraudar à legítima de herdeiro necessário, ou com o propósito igualmente ilícito de evitar a penhora ou medidas de constrição na realização do crédito alimentar.

Conclusão: A Importância da Implementação Correta

Dessa forma, para que os objetivos da holding familiar sejam conquistados, é crucial que ela seja corretamente implementada. Uma vez que o uso equivocado ou desvirtuado pode ocasionar resultados catastróficos ao patrimônio familiar, podendo comprometer todo o planejamento arquitetado.

Revista Paradigma Jurídico Ed. IV págs. 90/91 – Agosto 2025.

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