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O Juiz, a Prova e a Dúvida

A Previsibilidade como Pilar do Processo Penal Democrático

Uma das maiores conquistas de um processo penal democrático consiste em conhecer, previamente, as regras do jogo. Ou seja, saber qual a pena atribuída à conduta que se pretende praticar. Além disso, é preciso saber quais são as normas processuais às quais o agente estará submetido caso cometa uma infração penal.

Essa previsibilidade não pode ser subestimada. De fato, trata-se da consagração de valores liberais que impedem julgamentos baseados em leis ou regras posteriores, algo que, em última instância, representaria insegurança jurídica e autoritarismo judicial.

A Decisão do STJ e a Atuação Ativa do Juiz

Recentemente, em uma nova decisão, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu ser lícito ao juiz consultar perfis públicos de redes sociais de investigados. Isso pode ser usado como fundamento para decretar prisão preventiva ou outras medidas cautelares.

O precedente preocupa, pois abre-se a porta para que o magistrado atue de forma ativa na produção de prova. Trata-se de um deslocamento inaceitável na arquitetura constitucional do processo penal.

Violação ao Sistema Acusatório e ao Ônus da Prova

Como se sabe, o sistema acusatório exige a separação entre as funções de acusar e julgar. Portanto, permitir que o juiz acesse conteúdos de redes sociais para fundamentar sua decisão aproxima-o de uma função reservada exclusivamente à acusação.

No ordenamento brasileiro, o princípio do ônus da prova opera não apenas como regra de instrução, mas também como critério de julgamento. Dessa forma, a parte que alega e não prova tem seu pedido indeferido por não ter se desincumbido de sua obrigação probatória.

Assim, quando o juiz, diante de fatos mal esclarecidos ou de um conjunto probatório frágil, realiza incursões nas redes sociais do acusado para suprir lacunas, ele usurpa funções da acusação. Consequentemente, compromete o julgamento, violando o Princípio Acusatório.

O Risco do Desequilíbrio e a Defesa das Garantias

O precedente do STJ legitima uma ambiguidade funcional que desequilibra as ferramentas de acusação e defesa. Ao fim, valida o odioso — e não raro — “dois contra um” no processo penal, recorrendo a um “jeitinho brasileiro” para, suprindo falhas da acusação, afastar o in dubio pro reo.

Por isso, é preciso resistir a permissões que, sob um verniz de modernidade, corroem garantias estruturais do processo penal. Nesse sentido, é indispensável reforçar a separação de funções e a titularidade do Ministério Público na produção de prova. É, enfim, essencial que o juiz se permita a dúvida.

Revista Paradigma Jurídico Ed. IV pás. 96/97 – Agosto 2025.

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