Tributo de Carlos Queiroz a Boris Trindade
Existe uma sabedoria ancestral, captada na melodia de Lenine, que diz ser preciso conhecer as águas das quais bebemos para compreender verdadeiramente alguém. Na trajetória de Carlos Queiroz, essa metáfora ganha contornos íntimos: sua identidade profissional nasceu da confluência entre duas correntes distintas de excelência jurídica, unidas pela reverência a um homem que ele considera muito mais que um mentor.
A entrada de Queiroz no universo do direito não seguiu um roteiro planejado. Vindo da área tecnológica, onde já prestava serviços a escritórios de advocacia, foi o convívio gradual com questões jurídicas, estimulado pela esposa, Promotora de Justiça Andréa Karla Reinaldo de Souza Queiroz, que o conduziu a uma nova formação. Contudo, sua abordagem para dominar qualquer conhecimento sempre foi direta e sem intermediários: “Quer um caminho de rocha para você aprender alguma coisa? Vai na fonte”.
A Filosofia
Essa filosofia direcionou suas primeiras grandes escolhas profissionais. No escritório ADC Advogados, bebeu da tradição do direito empresarial de primeira linha, absorvendo a ética e os métodos de nomes como José Henrique Wanderley, Antônio Carlos Monteiro, Renato Rocha e Miécio Cavalcanti. Paralelamente, no Cartório de Igarassu, cujo titular é o mestre Hélio Santoianni, já nos anos 90, conheceu uma cultura organizacional que priorizava a conformidade e a integridade, antes mesmo que esses conceitos se tornassem tendência corporativa.
Mas foi no direito penal que encontrou sua fonte definitiva e, com ela, algo que transcendeu o âmbito profissional. Inicialmente, sócio de Alberto Trindade, filho de Boris Trindade, posteriormente se tornaria sócio do próprio mestre. O que começou como uma parceria profissional evoluiu para uma relação que ele descreve como “de pai para filho”.
“A fonte que eu bebi do direito penal foi a fonte de Boris Trindade, que não existe fonte melhor”, declara com uma admiração que vai muito além do reconhecimento técnico. Boris o tratava “como um filho” e Queiroz o via como uma “referência de homem, de pai”. O próprio mestre costumava brincar que Queiroz seria seu 16º filho — um número que reflete não apenas a generosidade afetiva de um homem que teve pelo menos 15 filhos, mas também sua capacidade de estender laços familiares para além dos vínculos sanguíneos.
Essa proximidade permitiu a Queiroz testemunhar aspectos únicos da personalidade de Trindade. “Nunca o vi de cara fechada”, relembra. Mesmo diante dos problemas mais sérios, Boris sempre soltava uma “gracinha” ou piada para descontrair o ambiente. “Nunca o vi sem estar rindo.” Era, nas palavras de Queiroz, “muito brincalhão”, uma característica que humanizava sua presença imponente nos tribunais.
Potencializando
Profissionalmente, Trindade “potencializou” a advocacia penal de Queiroz, sendo um “mestre” não apenas para ele, mas para muitas outras pessoas. Mais do que técnica jurídica, ele transmitia uma filosofia de atuação. Era um “cara de luz”, uma figura para se guiar na advocacia como um todo, por ser uma pessoa ética. Sua conduta servia como bússola moral em um ambiente, onde as pressões podem desviar os profissionais de seus princípios fundamentais.
A dimensão política de sua atuação era igualmente marcante. Boris era um “defensor da liberdade e dos direitos fundamentais de forma absoluta”. Essa postura, forjada em tempos quando defender certas causas exigia coragem pessoal considerável, moldou profundamente a visão de Queiroz sobre o papel social da advocacia. O direito penal, nas mãos de Trindade, transformava-se em ferramenta de proteção das garantias constitucionais mais fundamentais.
A visão de mundo do criminalista também se manifestava em sua percepção sobre o funcionamento adequado das instituições. Ele criticava veementemente a exposição excessiva do judiciário. Dizia que, em sua época, ninguém sabia quem eram os ministros, mas que depois da TV Justiça e da internet, os ministros do Supremo Tribunal Federal viraram “pop star”. Para Trindade, ministros deveriam manter uma conduta reservada e imparcial, pois a Suprema Corte de um país deve atuar sem exposição midiática que possa comprometer sua imparcialidade.
Essa perspectiva revela sua compreensão sofisticada sobre o equilíbrio entre transparência e funcionamento institucional adequado. Queiroz acredita que Boris “estaria se assustando muito com o cenário atual jurídico”, uma observação que sugere o quanto os valores defendidos pelo mestre contrastam com algumas tendências contemporâneas do meio jurídico.
A síntese entre duas escolas de excelência, o direito empresarial da ADC e a advocacia penal de Boris Trindade, resultou no que Queiroz chama, emprestando um termo de Murilo Gun, “masterização”. “Eu consegui unir o direito empresarial de excelência da ADC com a advocacia penal de excelência de Boris Trindade. Essa masterização, eu acho que me deu o que sou hoje.”
A Confluência
Essa confluência não foi apenas técnica, mas profundamente humana. A combinação da precisão corporativa com a paixão pelos direitos fundamentais, temperada pelo humor e pela ética de Trindade, criou uma abordagem singular para a advocacia. Uma prática jurídica que não separa competência técnica de integridade pessoal, nem eficiência profissional de compromisso social.
A história que Queiroz conta sobre sua relação com Boris Trindade é, fundamentalmente, uma lição sobre como o conhecimento pode ser transmitido através de vínculos afetivos profundos. Ela demonstra que a excelência profissional não é apenas um conjunto de técnicas, mas uma forma de estar no mundo. De fato, é algo que se aprende através do convívio com pessoas que encarnam esses valores.
O “cara de luz” que Trindade representava não era apenas um profissional competente. Pelo contrário, era um homem que soube combinar seriedade no trabalho com leveza na convivência e rigidez ética com flexibilidade emocional. Além disso, unia a defesa intransigente de princípios com a capacidade de rir de si mesmo e das circunstâncias.
Honrando Publicamente
Ao honrar publicamente sua fonte principal de conhecimento no direito penal, Queiroz presta um tributo merecido a um mestre. Além disso, se estabelece como guardião de uma tradição. Nesse sentido, sua trajetória prova que é possível beber de múltiplas fontes sem perder a coerência. Contudo, é preciso que se mantenha clareza sobre quais são os valores fundamentais que orientam essa síntese.
O reconhecimento que ele busca para Bóris Trindade reflete, no fundo, sua própria compreensão do que significa construir uma carreira verdadeiramente significativa. Não se trata apenas de acumular casos vencidos ou reconhecimento profissional, mas de garantir que as águas da sabedoria, da ética, do humor e da paixão pela justiça continuem fluindo, nutrindo as próximas gerações de juristas.
Nessa confluência entre o direito empresarial da ADC e a advocacia penal de Boris Trindade, mediada por uma relação filial profunda, Carlos Queiroz encontrou uma metodologia de trabalho. Além disso, encontrou uma filosofia de vida.
Primeiramente, é uma abordagem que honra o passado enquanto constrói o futuro. Ademais, celebra os mestres, enquanto forma novos discípulos. E, por fim, compreende o direito como uma ferramenta de transformação social que se constrói, antes de tudo, através de relações humanas autênticas.

Carlos Queiroz e Boris Trindade. Revista Paradigma Jurídico Ed. IV págs. 18/19 – Agosto 2025.