Por Manu Asfora | Foto Bruno Castanha
Referência nacional no seu ramo de atuação, a advogada recifense Gisele da Costa Pereira Martorelli (49) foi pioneira ao trazer uma abordagem humanizada para a prática do Direito de Família. Na sua trajetória, foi Conselheira da Comissão da Mulher Advogada e da Comissão de Mediação e Arbitragem da OAB-PE. Gisele Martorelli participou da Diretoria do Instituto Brasileiro de Direito de Família por várias gestões. Foi assim que, em 2007, fundou o seu escritório Martorelli Família e Sucessões e em 2019 associou-se ao escritório Menezes, Rabelo e Napravnik Advogados.
Artes
Apreciadora das artes, gosta de viajar, de estar com os amigos, de fazer programas em família, ler, ouvir música, dançar e se exercitar.
Na literatura, ainda mais, gosta dos autores Gabriel Garcia Márquez, colombiano, e do peruano Mario Vargas Llosa, em especial das obras-primas por eles assinadas. Respectivamente, “Cem Anos de Solidão” e “Travessuras da Menina Má”. De seus ídolos Clarice Lispector e Simone de Beauvoir, os livros favoritos são “Felicidade Clandestina” e “O Segundo Sexo”.
Bem como nos filmes, que tem como o seu queridinho “Cinema Paradiso”, do diretor italiano Giuseppe Tornatore. Ama o humor inteligente de Woody Allen e, entre os diretores nacionais, destaca que Kleber Mendonça e Juliano Dornelles têm chamado sua atenção. Nas artes, admira o trabalho do escultor, ceramista e pintor recifense Francisco Brennand. Além do pintor Carlos Pragana, também recifense, cujo quadro compõe a foto da capa dessa matéria, por lhe provocar sentimentos de alegria. Mas também registra as obras da artista Tereza Costa Rêgo de quem é fã incondicional.
Advogada
Advogada atuante há 26 anos, antes de mais nada, se sente profissionalmente realizada. Por outro lado, confessa que ainda tem muita coisa por fazer e aprender. Entre os projetos futuros, estão a abertura de uma filial do seu escritório em Lisboa (PT) e o lançamento de um livro sobre casos relacionados ao Direito de Família.
Mora com Bárbara (24) e João (23), filhos do seu primeiro casamento com o também advogado João Humberto Martorelli. Além de seus sobrinhos Thiago e Carolina, com os quais mantém vínculo afetivo materno. Também mora com os enteados Gilsinho (23) e Valentina (19) e com seu marido, o empresário Gilson Trindade (59). Mesmo tendo sido mãe muito cedo, aos 24 anos, nunca deixou de advogar. Para Gisele, a maternidade foi um desafio que conseguiu conciliar muito bem com sua profissão, sempre com coragem e determinação.
Juntos há quatro anos, Gisele e Gilson compartilham da mesma sintonia. “Ele é um cara admirável, seguro, uma pessoa muito bem humorada, de sorriso largo, que nos trouxe muita alegria e que me faz muito feliz”, declara.
Ademais, para a advogada, o Direito de Família e a dinâmica familiar andam lado a lado por causa das constantes mudanças sociais, como expõe:
“Aquela família tradicional, através do casamento civil com direito a cerimônia religiosa, não é mais a única a ser reconhecida como família legítima, autêntica. Ela se modernizou. Outros desenhos de famílias surgiram. Temos as famílias monoparentais, chefiadas por um homem ou por uma mulher, além das famílias homoafetivas, reconhecidas há dez anos. Enfim, há uma pluralidade de tipos familiares, todos amparados e protegidos pela nossa Constituição Federal. A família contemporânea prioriza a pessoa humana, levando em consideração o afeto, permitindo seu desenvolvimento e satisfação pessoal, garantindo, assim, a proteção e valorização da dignidade da pessoa”.
Direito de família
O Direito de Família surgiu na vida da então estudante Gisele Martorelli como um encontro fortuito para, depois, se transformar na viga mestra de sua estrutura profissional. Ainda incerta se havia escolhido corretamente um curso superior que lhe traria plena satisfação, a aluna de Direito da Universidade Católica de Pernambuco (1990-1994), enquanto frequentava as salas de aula, buscava conhecimento sobre as várias áreas disponíveis para uma futura atuação.
Gisele havia pensado em cursar Medicina. A área de Saúde aparecia para ela como uma escolha orgânica, uma vez que muitos de seus parentes, principalmente do lado materno, seguiram destacada carreira nessa seara. O Direito era-lhe, então, uma grande incógnita, considerando as inúmeras avenidas que se abrem para a atuação profissional.
A principal dúvida da estudante, aos 18 anos, era se o Direito lhe traria oportunidades de lidar com o lado mais humano. Ou se, de alguma forma, ela se veria restringida pelo que então acreditava ser a frieza da lei, compilada em intermináveis códigos. A primeira experiência com a lida face a face serviu para quebrar paradigmas. No Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec), trabalhou com crianças em situação de risco, que haviam cometido pequenos delitos. Assim como os demais estagiários e profissionais envolvidos com a linha de atuação da ONG. Sua missão seria “defender e promover os Direitos Humanos. Em especial de crianças, adolescentes, moradoras e moradores de assentamentos populares e grupos socialmente excluídos. Contribuindo assim para a transformação social, rumo a uma sociedade democrática e popular, equitativa, que respeite as diversidades e sem violência.”
Estudante
Já no segundo ano do curso de Direito (1991), Gisele Martorelli ingressou como estagiária no escritório Piauhylino e Martorelli Advogados. O direito de família não era prioridade ali. Atendiam-se casos de família como exceção. Principalmente para amigos ou clientes da casa, mas não havia áreas de especialização definidas. Todos faziam de tudo um pouco e coube a Gisele atuar no contencioso cível.
Em 1997, já como profissional, uma amiga pediu-lhe como favor, de forma pro bono (sem honorários). A solicitação era para que atuasse numa situação de investigação de paternidade, na qual o filho não reconhecido queria obter prova de DNA. Isso para que o nome e o sobrenome do pai passassem a constar em sua certidão de nascimento e ele tivesse direito à pensão alimentícia. Depois de vários anos de muitas batalhas jurídicas, a vitória foi conquistada e o caso ganhou repercussão, transformando-se num divisor de águas para Gisele Martorelli.
Como advogada, Gisele se envolveu muito no processo. Sentiu que gostava da área, um cenário onde se misturavam elementos de amor, de dor, de perdas e de sofrimento. Mas também de mudanças significativas de vida quando a justiça conseguia, enfim, ser restaurada. Ao acompanhar o caso que lhe garantiu sua primeira projeção na área, afinou algumas habilidades que seriam muito úteis futuramente. A escuta ativa, a empatia, a necessidade do controle das emoções, a proatividade na resolução de conflitos e a firmeza necessária para atender aos interesses do cliente.
Em Piauhylino e Martorelli Advogados, Gisele já havia começado a trabalhar nos processos de sucessão (inventários), ao lado de José Piauhylino (in memorian), um expert no assunto. A transição para a área sucessória se deu de forma natural, expandindo a procura e o atendimento em torno das causas do Direito de Família e Sucessões naquele escritório.
Gisele Martorelli: Escritório Próprio
Em 2007, já com escritório próprio – Martorelli Família e Sucessões – Gisele começou a colocar em prática sua visão de atendimento especializado, sob medida para as características únicas que envolvem este ramo da atuação jurídica. “É muito mais que ganhar uma causa, é pacificar um conflito que pode trazer consequências devastadoras”, esclarece ela.
Sua estratégia para o escopo do novo escritório era seguir na linha da interdisciplinaridade, conceito que não era tão aplicado na época. A ideia central era desenvolver um espaço de acolhimento para o diálogo, a orientação e o incentivo à terapia. “A pessoa que chega em busca da ajuda de um advogado de família geralmente está em carne-viva, vivenciando dores profundas que mexem com seu equilíbrio e turvam seu discernimento. É preciso abrir espaço na agenda, ouvir sem pressa e, sobretudo, entender um divórcio em todos os seus possíveis desdobramentos, materiais e imateriais, objetivos e subjetivos”, argumenta Gisele.
Gisele Martorelli: Martorelli Família e Sucessões
O Martorelli Família e Sucessões, primeiro escritório do Recife a surgir para atender exclusivamente casos de família e sucessões, foi, então, modelado para este fim, já desde a sala de entrevistas, projetada sem a frieza dos escritórios tradicionais, colocando advogado e cliente em horizontalidade. Entre o calor das emoções e a frieza do que precisa ser definido de forma contratual existe muito conflito a ser contornado. “Exige muita entrega do ponto de vista psicológico, tanto do cliente quanto do operador do direito. O advogado precisa dar um resultado, solucionando não apenas o sofrimento pelo qual o cliente passa com a separação, mas as questões mais pragmáticas e prosaicas do seu cotidiano”. Explica Gisele, que tem na sua equipe o apoio permanente da psicanalista Lúcia Duque.
Evolução constante no Direito de Família
O Direito de Família é também uma área em constante evolução, exigindo do profissional uma rápida atualização. Tem que estar atento à jurisprudência relacionada à vários temas. Alienação parental, guarda dos filhos, pensão alimentícia, partilha de bens, novos modelos familiares, reconhecimento de paternidade, fraude patrimonial no casamento, contratos para namoros qualificados e uniões estáveis, abandono afetivo e financeiro, barriga de aluguel, maternidade e paternidade socioafetiva e tantas outras. São situações que desafiam as habilidades dos profissionais que abraçam esta área. “Um divórcio é uma caixa de surpresas: ninguém sabe como toda a família vai sair dali. Pode fazer muito bem, e pode fazer também muito mal a todos os envolvidos no processo, mas posso afirmar que patrimônio se recupera, a família, não”, esclarece Gisele Martorelli.
Por ser mulher numa profissão que ainda carrega muitos vestígios do machismo, exige-se de Gisele uma postura firme, proativa, que alguns definem como agressiva: “Não deixo ninguém de cueca, como dizem por aí. Apenas tento garantir aquilo que cada um tem direito”, assegura a advogada.
Sua clientela é equilibrada entre homens e mulheres, realizando um trabalho com muita responsabilidade em relação à família. “O escritório é lugar de acolhimento, mas também é lugar de enquadramento, de chamada às responsabilidades. Talvez alguns profissionais sejam mais brandos, mas eu sou muito firme na defesa dos interesses do meu cliente. É importante o público entender que procurar um advogado de família para resolver questões jurídicas não significa, necessariamente, litígio ou uma declaração de guerra. O bom profissional é aquele que busca, sempre, a moderação e o equilíbrio com vistas à conciliação”, resume.
Gisele Martorelli: Sócias
Na época de Myrthes Gomes de Campos (1875-1965), a primeira advogada do Brasil, e Bernadete Neves Pedrosa (1931-2013), a primeira mulher admitida como professora na Faculdade de Direito do Recife (1965), ter um escritório de advocacia composto eminentemente por mulheres era uma realidade distante. Hoje, porém, sabemos que o cenário mudou. Ainda mais, pesquisa realizada pela consultoria McKinsey apontou que empresas que possuem mulheres nos cargos de liderança têm 21% a mais de chance de ter um desempenho financeiro acima da média.
Dessa forma, com o objetivo de expandir sua área de atuação, Gisele Martorelli formalizou, em 2019, uma associação entre advogadas competentes em suas áreas de atuação, ampliando a sua esfera de alcance a outros ramos do Direito.
O pioneirismo de uma estrutura societária formada apenas por mulheres e a mudança do escritório para o Empresarial JCPM, Pina, Zona Sul da capital pernambucana. As competências e os anos de experiência de Fernanda Menezes, Anne Rabelo e Tatiana Napravnik se somaram ao perfil de Gisele Martorelli, marcado pelo zelo de quem atua nas relações de família e de sucessões. Assim surgiu a fusão entre os escritórios Martorelli Família e Sucessões e Menezes, Rabelo, Napravnik Advogados. Nasceu com o objetivo de atender às expectativas dos clientes atuais e novos, em todas as áreas do Direito.
Em constante expansão, Gisele explana que os serviços do escritório foram requisitados para atender os brasileiros que cada vez mais investem em Portugal, sobretudo no ramo imobiliário. Em razão desse empreendedorismo, a princípio, surgiram demandas como inventários, assessoria em contratos, visto de permanência, validação de diplomas profissionais e abertura de empresas. Foi isso que as levou a abrir filial em Lisboa para mitigar a lacuna. O escritório possui uma advogada local, Graça Louvor, com experiência em mais de 25 anos de atuação na Corte Portuguesa.
Livro
Em conclusão, sobre o futuro, a advogada revela que em breve lançará um livro:
“O livro está em fase de preparação e ainda não tem título nem data de lançamento prevista. A ideia surgiu quando eu revisava alguns casos nos quais havia atuado. Ao repassar esse material, percebi como ela era vasto, não apenas em quantidade, mas, principalmente, em histórias de vida. Imaginei, então, que a publicação seria de muita utilidade para um público amplo, em gênero, classe social e faixa etária. Não se trata de uma escrita voltada apenas para o universo jurídico, mas para qualquer pessoa que se interesse por situações-limites levadas à vara de família. Os casos são verídicos, divididos em capítulos, mas tivemos o cuidado de não revelar a identidade dos envolvidos, misturando fatos reais com alguma ficção para que não haja possibilidade de associação com o que aconteceu na vida real. No entanto, o ponto central de cada um dos litígios é absolutamente fidedigno. Em formato de crônicas, os relatos tratam de temas afeitos ao Direito de Família: alienação parental, partilha de bens, fraudes patrimoniais no casamento, pensão alimentícia, etc. Espero que esta contribuição auxilie os que enfrentam as tormentas consequentes de um divórcio e que sirva como ponto de reflexão”