Desde os primórdios os conflitos parecem ser naturais nos relacionamentos humanos. Tanto é que os contratualistas, mormente Thomas Hobbes, que cria ser o homem mau por natureza, justificam a criação do Estado justamente pela atmosfera bélica que os homens viviam. As pessoas, que não gozavam de garantias como propriedade ou vida, renunciaram a parcelas de suas liberdades em troca de segurança, criando a figura artificial do Estado, para Hobbes o Leviatã, monstro bíblico que protegia os peixes menores do ataque dos predadores. O Estado tomou para si o encargo de promover a paz social, sendo responsável por prevenir e dirimir os conflitos. Pela tripartição dos Poderes, de Montesquieu, podemos associar que ao Legislativo coube criar regras em abstrato para disciplinar condutas, ao Judiciário customizar as normas aos casos concretos e ao Executivo manter essa máquina estatal funcionando harmonicamente. Finda a autotutela, coube ao Estado apreciar e decidir os conflitos, pelo Estado Juiz, no exercício da Jurisdição, poder dever dele dizer o direito no caso concreto. Assim, sentindo-se a pessoa na iminência de ter ou já tendo uma pretensão em desfavor de outrem, passou recorrer ao Estado Juiz, quebrando sua inércia, provocando-o para que lhe preste o serviço jurisdicional que lhe cabe pelo contrato social que com ele firmou. Exercer a jurisdição e definir quem tem direito no processo judicial é a forma que o Estado usa para garantir a segurança que lhe cabe promover. Logo, a jurisdição estatal passou a ser a forma de solução de conflitos por excelência, inclusive, porque ele usa da força do imperium estatal para fazer cumprir sua decisão. Na atual realidade judiciária do Estado Democrático de Direito brasileiro, para que se perfizesse a garantia constitucional do acesso à Justiça, insculpida no artigo 5º, XXXV, da CF/1988, houve um preço a ser pago. O crescimento de causas judiciais se tornou desproporcional ao crescimento do aparato estatal do Poder Judiciário para cuidar dessa logística processual. Instaurou-se uma crise com os processos hibernando nas estantes dos fóruns, motivando a EC/45, de reforma do Judiciário, trazendo em si como garantia a razoável duração do processo. Mas, constata-se que é falido tanto o modelo do monopólio da jurisdição estatal como meio de solução dos conflitos, tanto seu uso como paradigma, comum no Brasil até o CPC/73. Face à falência desse sistema, o CPC/2015, produzido com extrema dialogicidade, tratou de resgatar os pilares do sistema jurídico nacional e inovar ao incluir um capítulo só para as normas fundamentais de processo, que traduzem os princípios processuais brasileiros, seja ratificando os constitucionais, seja criando próprios. Nesse ínterim, o legislador de 2015 inclui no diploma formas já instituídas anteriormente em legislações esparsas, que legislavam institutos tidos como meios alternativos de solução de conflitos, como a mediação, a conciliação e a arbitragem. Não inovou, mas deu status superior a eles, colocando-os em pé de igualdade com a jurisdição estatal, deixando de ser encarados como meios alternativos de solução de conflitos (pois esse termo pressupunha que houvesse um meio principal, que era a jurisdição), e passaram a compor o sistema multiportas. A partir daí, desse imenso passo histórico na política de solução de conflitos, ao invés de se privilegiar a forma de solução apenas pela força estatal, passou-se a focar o problema a ser resolvido. Theodor Viehweg, juiz alemão que depois de ser vítima do nazismo revolucionou seu modo de pensar e criou a tópica e jurisprudência, concluiu que o problema deve guiar a forma de solução que o solucionará. É assim que devemos ver o sistema multiportas. Se a obrigação do Estado é promover a segurança social, pode fazer isso seja ele próprio exercendo a jurisdição, seja chancelando outras formas de soluções extrajudiciais, e quanto mais customizada a forma dessa solução, mais eficaz será a prestação no caso e melhor o resultado da eficácia.





